29 de jun. de 2012

A peripécia

Oi, meu nome é Lucy. Moro em alguma cidade, em alguma parte do mundo. Tenho vinte e dois anos...

Bem, não é importante que eu me apresente. Não vou falar de mim, mas da Sarah.

Sarah tinha 19 anos quando eu a conheci, na faculdade. Éramos calouras da turma de 2009 do curso de Arquitetura e Urbanismo. Ela era uma menina bonita, quieta, e lésbica. Mas poucas pessoas sabiam dessas coisas, principalmente que ela era bonita. Ela se relacionava com outras meninas e escondia isso de todo mundo, acho que por medo de sofrer algum tipo de rejeição. Quando eu fiquei sabendo a respeito da sua orientação sexual, ela me pediu pra guardar esse segredo. Eu a respeitava, porque ela me respeitava. Essa questão nunca foi um problema para a nossa amizade. Ela nunca deu em cima de mim ou algo parecido. Em pouco tempo, nos tornamos grandes amigas.

Mas um dia a gente discutiu. E eu sabia que isso acabaria acontecendo, cedo ou tarde. Eu sou cristã, fui criada na igreja. Todas as coisas em que eu acredito ser verdade não me permitem aceitar que a vida que a Sarah levava era normal. Eu percebia as intenções dela quando dizia que naquela noite iria sair com outras amigas, ou quando fazia viagens sem detalhar para mim com quem e pra onde. Essas coisas me incomodavam. Eu vivia no dilema de ter uma amiga que, segundo as minhas convicções, estava longe de viver a vida que deveria, e ter que respeitar os direitos de uma pessoa. E, como eu já disse, de fato eu a respeitava muito. Não provoquei nossa discussão, o assunto simplesmente caiu na mesa em uma situação propícia. Nem enxerguei isso como uma oportunidade para falar de Deus pra ela ou algo assim. Ela já me conhecia muito, e sabia dessas coisas. O assunto surgiu sem pretensão nenhuma. Eu tão somente respondi ao que ela me questionava. O resultado não foi muito satisfatório, mas depois daquele dia, ainda discutimos várias vezes. Algumas de forma serena e saudável, outras de forma agressiva e insultuosa. Nos momentos de angústia, falei para ela sobre algumas verdades, e no fim, depois de um longo tempo, ela acabou se interessando um pouco a respeito. Começou a frequentar a minha igreja.

Algo intrigante em Sarah era a sua total falta de preconceito. Ela não se portava como alguém que sabia mais do que os outros. Ela não enxergava a igreja como um povo alienado, preso a dogmas, e se travestindo ilusoriamente. A igreja acolheu tanto ela, que ela começou a se convencer de algumas coisas. Um povo que discorda totalmente da maneira como ela levava a vida, estava agora ao seu lado, e se direcionavam a ela sem pedras, sem acusações, sem diferença. Então Sarah começou a se convencer, por exemplo, de que sua homossexualidade ia contra Deus. Ela sofria, e agora tinha se convencido de que encontrou a razão. Mas nunca deixou de ser lésbica, nem de se relacionar. Ela até se esforçava para não manter aquela vida de uma forma tão frequente, mas quase nunca conseguia. Aquilo estava dentro dela. Ela tinha crescido assim. Não tinha culpa alguma. Ela era assim. Ela era aquilo!

E sofria. Os olhos de Sarah estavam se abrindo para uma nova realidade, uma nova vida. E dentro dessa vida, ela tinha consciência do que teria que enfrentar. No seu caso, do que já estava enfrentando. Chegou a um ponto em que já estava totalmente convicta daquilo que ouvia e sentia nas celebrações da igreja. Até que, em um domingo, pela manhã, ela chorou. Ela descobriu que era capaz de viver totalmente livre daquilo, e que era uma proposta de vida melhor, de vida plena. Aquele domingo fez Sarah tomar uma decisão, apostar em Deus. E naquele dia, Sarah se propôs a nunca mais praticar o homossexualismo, mesmo que nunca conseguisse deixar de ser lésbica.

Saiu do templo renovada. Seu olhar estava diferente. Parecia que ela tinha tirado um elefante das costas. Ela suspirava de alívio, e estava muito otimista. Me convidou pra almoçar com ela. Disse que estava indo buscar seu carro do outro lado da rua, e que me levaria até uma churrascaria. Nunca tinha visto Sarah com tanta esperança e expectativa. Ela me abraçou e foi buscar seu carro. Enquanto atravessava a rua, Sarah olhou para o lado direito, no momento em que um carro curvava com velocidade e entrava na rua pelo lado esquerdo...

Vinte minutos depois eu estava no hospital, e Sarah estava no quarto sendo atendida pelos médicos. Tudo estava se passando pela minha cabeça. Principalmente as duas coisas que ela me disse enquanto estávamos a caminho do hospital. Ela não conseguia respirar direito, parecia que seu pulmão tinha sido atingido. Enquanto ela tentava falar, algumas lágrimas escorriam no seu rosto, e ela parecia não me ouvir, gritando para ela não fazer esforço. Talvez porque o que ela estava tentando falar era algo que ela definitivamente precisava falar.

Sarah conseguiu abrir a boca dentro da ambulância para me dizer duas coisas. Primeiro uma afirmação acusando a si mesma, disse que não viu o carro curvando em direção a ela porque tinha virado o rosto para olhar duas meninas bonitas atravessando a rua do seu lado. Guiada por um instinto, não por uma vontade. Segundo uma indagação consumida por desespero, querendo saber para onde ela iria. Me perguntava se Deus a perdoaria, e repetia três ou quatro vezes: “Sou lésbica, para onde eu vou?”

O sentimento dentro de Sarah é o mais sincero do mundo. Ela estava disposta a viver sem o homossexualismo, e agora eu tinha certeza de que ela conseguiria. Então por quê? Por que logo agora ela morreria? Por que Deus permitiria isso? Eu não sei. Perguntei para Deus, mas parece que não fui respondida. Naquele momento, a única notícia que eu recebi era a de que Sarah não tinha resistido. Ela tinha quebrado uma perna, e fraturado alguns ossos da costela que acabaram perfurando o pulmão.

Talvez Sarah tivesse alcançado a verdadeira vida alguns minutos antes da sua morte. Na verdade eu acredito muito nisso. Agora pense você, com todo o seu preconceito, que em momento nenhum Sarah deixou de ser homossexual. Em momento algum ela conseguiu se livrar disso. Mas pense também que não faltou esforço e esperança para Sarah. Pense que definitivamente, apesar dela mesma, naquele dia de domingo houve reconciliação.

Agora pense que você é Deus, e nesse momento Sarah está falando para você: “Sou lésbica. Pra onde eu vou?”

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